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Foto do escritorYan Menezes Oliveira

Psicoterapia corporal: o corpo na clínica

Corpo e mente como um só


De início, pensar uma psicologia corporal, uma prática psicológica que não apenas passe pelo corpo, mas que tenha como enfoque de sua ação o corpo, pode parecer estranho, uma vez que a tradição do pensamento ocidental por muito tempo produziu a distinção entre o físico e o mental. Nesta distinção, espalhada pela filosofia, pela religião, pela arte, pelas ciências e pelo senso comum, o corpo seria um aparelho, uma máquina, um suporte que carregaria uma mente controladora, uma alma capaz de lhe oferecer comandos e realizar ações. Por um lado, o corpo, a matéria, as sensações e impressões, de outro, um grande processador dessas informações, algo além do corpo e do palpável, algo único e individual em cada um de nós. Mesmo que o cérebro tenha com o tempo e com o saber biomédico ganhado destaque como órgão privilegiado onde residiriam nossas faculdades mentais, nossa cultura continua afastando o corpo para um segundo plano, como algo que nos sabota, algo que deve ser cuidado de maneira complementar à saúde mental, algo estático que conseguimos regular a forma.


O corpo, por muito tempo, foi visto como o lugar do pecado, o espaço a ser colonizado e corrigido, sejam os corpos das mulheres, das etnias não brancas, dos trabalhadores, das crianças. A cultura ocidental moderna europeia, que emerge junto com o racionalismo-colonial (não se pode separar o movimento do pensamento das ações políticas que o contextualizam e o produzem) estendeu tanto a separação do corpo e da mente, alegoria ideal para uma lógica social onde há mando e obediência, quanto a distinção dos corpos pecaminosos e objetificados como mão-de-obra ou produto de exploração. A distância e a diminuição da importância do próprio corpo está no cerne da cultura entendida como civilizada, não é à toa que a psicologia, extensão da cultura ocidental, tenha enfatizado a expressividade da fala e da voz, a conexão supostamente mais direta entre o que se pensa e o que se mostra. Na psicologia, o corpo foi lar dos sintomas e das dores a serem curadas através da fala. Freud mesmo comenta que um dos motivos para atender seus pacientes deitados no divã, distantes do olhar frontal com o psicanalista, teria sido em função do cansaço e do embaraço que seria exigido a troca de olhares diária entre as várias pessoas consultadas.


Pode soar estranho quando falamos em psicologia corporal, mas queremos dizer que há uma perspectiva dentro da psicologia onde corpo e mente não se separam. Só existe mente incorporada e todos os processos passam pelo corpo. Toda a história de vida de alguém, as heranças genéticas, comportamentais e dinâmicas de uma família, todos os acontecimentos, os atravessamentos políticos, as normas de uma sociedade e a resistência a elas, tudo isso se registra, se cria e se expressa em um corpo. Não se trata de criar um novo paralelismo, apontando que o corpo é tão importante quanto a mente, mas, sim, afirmar que corpo e mente são uma só e a mesma coisa. Pensamentos, sensações, sonhos, percepções, afetos e sentimentos, tudo isso faz sua produção e passagem por nossos corpos, por nossos gestos, posturas, pelas camadas de histórias e vivências que nosso corpo é.


Práticas clínicas em psicologia corporal


Em se tratando da prática clínica em psicologia, foi Wilhelm Reich, psiquiatra e psicanalista então discípulo de Freud, quem propôs um outro olhar sobre o corpo na psicoterapia. Diante dos impasses dos casos clínicos da prática psicanalítica, focada principalmente no relato oral da vida dos pacientes, Reich passa a experimentar e pensar uma prática clínica onde não seria apenas importante o quê o paciente fala sobre si e sua história, mas também, como este/a fala disso. Ou seja, para Reich, o como é tão importante quanto o quê, a expressão é tão relevante quanto o conteúdo. Isto porque, para o psiquiatra, é na maneira de se exprimir que cada um de nós organiza a nossa experiência. Seria através dos gestos, da postura, da velocidade da fala, da vivacidade do olhar que a vida se organiza em nós, que nossos pensamentos e histórias se organizam. Assim, Reich passa a trazer para clínica percepções sobre posturas e gestos, bem como começa a propor exercícios onde o/a paciente possa perceber e experimentar formas de expressão que, muitas vezes, eram alheias a ele/a mesmo/o. A partir disso, Reich passa a sistematizar toda uma teoria e prática onde o inconsciente se produz, se mantém e se expressa no corpo, onde aquilo que nem sempre estava acessível de maneira exclusiva pela fala, pode ser experimentado de maneira intencional na pele.


Reich nos oferece uma abertura e os primeiros passos para pensar uma clínica onde o que está em jogo é, de maneira indistinta e inseparável, as formas do corpo e a vida psíquica. Adiante, terapeutas contribuíram com seus pensamentos e práticas ao expandir sua experimentação corpórea na clínica. Alexander Lowen, discípulo de Reich, através do que nomeou como bioenergética, traz um conjunto de exercícios e postura corporais que trabalham intensamente a circulação do movimento em nossos corpos, bem como a livre expressão emocional (tristeza, raiva, alegria, medo) desse movimento em nós. Em seguida, vale mencionar o trabalho de Stanley Keleman, aluno de Lowen, quiroprata de formação, pensou de maneira intensa e profunda a anatomia emocional dos corpos, seu impulso à criação e invenção de novas formas, bem como os fatores que podem produzir paralisia nessa transformação constante e inventiva dos corpos. Com esse arcabouço teórico-prático, podemos experimentar uma clínica onde a palavra e o gesto se encontram, ganham espaço de invenção e de expressão conjuntas.


Pensar hoje uma prática em Psicologia Corporal diz respeito a produzir um espaço onde os diversos corpos possam experimentar seus registros e formas de vida, suas marcações históricas, individuais, políticas, coletivas e etc. Implica uma nova relação com os corpos que, resistindo à toda uma tradição que silencia e anestesia os corpos, pode produzir uma nova abertura às sensações, emoções e sensibilidades para escrever outras possibilidades nos gestos cotidianos. Passa por uma prática onde, como dito, gesto e palavra se encontram e servem de meios para elaborar o que se passou com uma vida e o que se pode com esta vida, que novos caminhos são possíveis de serem produzidos a partir do presente que somos. Experimentar nos corpos as formas que somos, que conexões esses corpos podem fazer e como se expandir em vida, sentindo e aprendendo sobre o processo de organizar e desorganizar novas formas de existir em gestos, posturas, encontros, trocas e palavras.


Yan Menezes Oliveira

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